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Manelinho, a infância

Nasceu no dia 22 de Março de 1946 em Estarreja, distrito de Aveiro, filho de Florinda de Oliveira e Raúl da Silva. Assim como suas duas irmãs mais velhas cresceu com escassas posses. "Trabalho e fome, nunca faltaram", costumava dizer com mistura de amargura e orgulho na voz.

De sua mãe herdou o gosto por quadras e expressões populares, costumava responder sempre ao que se perguntava com uma rima ou expressão engraçada. Nunca soube se seria ela mesma a inventá-las, contudo, os seus filhos nunca as ouviram pela boca de nenhuma outra pessoa. Católica fervorosa, tinha de cor dezenas de orações e dominava a designação e função medicinal das plantas existentes na sua área circundante. Com as mesmas preparava mezinhas e pequenos curativos com os quais ajudava a sarar as feridas e pequenas maleitas de quem a procurava. No final da sua vida,vencida pela demência, julgou-se santa e para prová-lo a todos ficaria 7 dias sem comer. Aguentou tanto quanto pode e acabou por ser hospitalizada. E quem poderia afirmar que ela não era mesmo uma santa?! Bondade não lhe faltava, afirmava o seu filho carinhosamente. Apesar de aligeirar o acontecido, sempre temeu ter herdado o que quer que a tivesse tornado insana.

Quanto ao seu pai, poucas palavras proferia, apenas que se tratava de um homem de trabalho e rectidão, apesar de ser carpinteiro de profissão os sue filhos não tinham cama para dormir, dormiam no chão. . Não sobrava espaço na sua vida para demonstrações de carinho ou sensibilidade.

Vivendo num meio rural e um pouco austero, foi criado como tantos outros da sua época, sendo responsabilizado como adulto desde tenra idade. Pôde contudo frequentar a escola até ao 4ª ano de escolaridade, numa altura em que tal representava uma educação bastante completa. Da mesma, retirou tudo o que poderia retirar, aprendeu a escrever de forma exímia e cedo se destacou pela sagacidade e inteligência. Apesar disso não se livrou das "boas e velhas" reguadas pois não entregava os deveres de casa. A professora punia-o sem compreender como uma criança tão brilhante poderia deixar de cumprir tarefas tão simples. Quando finalmente lhe perguntou o porquê, pode finalmente explicar que na sua casa não existia azeite suficiente para que se pudesse utilizar um candeeiro. Deste modo, logo que a escuridão se firmava deixava de poder realizar os seus deveres. Após essa revelação a professora não voltou a importuná-lo.

Buzinas, a juventude

Após concluir a sua escolaridade com honras, uma tia sugeriu que seguisse para o seminário, teria uma vida confortável, continuaria a aprender e se tudo corresse de feição tornar se-ia sacerdote. A religião sempre fez parte da sua criação e tal possibilidade agradava-o. Contudo, o tempo foi passando e não conseguiu mais suportar a privação em que vivia. Seguiu então para Lisboa, mais precisamente para Cascais, viver junto de Lourdes, sua irmã mais velha. Foi aqui que através do seu cunhado aprendeu o ofício que seguiria toda a vida; a construção civil ,mais precisamente a pintura. Desentendendo-se com o marido de sua irmã, cedo partiu de sua casa e buscou trabalho na mesma área. Jurou que era um entendido oficial e como deu provas de muita habilidade encontrou emprego rapidamente. Aos 21 anos foi destacado para o serviço militar, durante cerca de três anos esteve em Moçambique numa experiência que nunca esqueceu e constantemente relatava. Foi enquanto condutor que fez parte do Utramar e sempre assumia ter feito "a guerra à sua maneira", encarando a experiência como uma aventura. A sua aptidão para a escrita levou a que fosse convidado para publicar no Jornal de Guerra e correspondia-se com diversas madrinhas de guerra. Tal valeu-lhe alguns "amargos de boca" pois a sensibilidade artística não é propriamente bem vista num contexto militar. Tornou-se contudo, no "escritor fantasma" por detrás de muitas das cartas de amor que os seus colegas de serviço enviavam para as  namoradas e noivas em Portugal. Ganhou a alcunha de Buzinas algo que sempre abraçou com carinho e o seu comportamento rebelde, obstinado e caprichoso não passou despercebido. Os seus superiores acusavam-no de ser demasiado polémico e Manuel respondia dizendo que " Jesus também foi considerado um homem polémico". 

Ao voltar para Portugal cedo casou com a sua "Glorinha", musa dos seus poemas, citada diversas vezes no seu diário de guerra. Desta relação, por vezes conturbada nasceu o seu filho mais velho Bruno Manuel Silva. 

Manel Pintor, a idade adulta

Após a separação do casal, Manuel conhece uma jovem mulher na casa dos trinta anos que não tinha a mínima intenção de casar, contrariamente à tendência da época. Trabalhava numa fábrica de confecções, não sabia cozinhar e roubou o seu coração. Estou a referir-me como é claro à minha mãe Helena Moniz, que um pouco contrafeita, se tornou mais tarde também, uma Silva. A relação entre ambos cedo se mostrou corrosiva, devido ao choque de personalidades e às infidelidades do recém casado. Continuou contudo, casada durante mais de uma década, deu à luz a minha irmã Sara e quando já ninguém o esperava ou desejava, eu própria vi a luz do dia.  Não foi num ambiente pacífico que crescemos e quando completei 8 anos de vida a separação, para alívio das suas filhas, finalmente aconteceu. Quis o destino que a sua ex mulher falessece apenas 2 meses antes de si, coincidentemente, pela mesma doença. 

Profissionalmente, por essa época decidiu enveredar por um caminho diferente e abriu um lar de idosos na zona de São João do Estoril, ramo que manteve até ao fim da vida sem contudo ter os resultados que pretendia. Nunca deixou contudo o seu anterior trabalho pois o seu temperamento exigente e explosivo não de coadunava com um ambiente profissional/formal. 

Foi no seu estabelecimento que veio a conhecer aquela que viria a ser a sua última esposa, Ivete Soares da Silva. Cidadã brasileria, recém chegada do Paraná captou de imediato a atenção do poeta, que se desdobrou em esforços para a conquistar. Um ano depois trouxe também para Portugal o seu filho Adans Stersa Arce que com apenas 17 anos foi tratado como todo o cuidado e carinho que podia oferecer.  Esta relação, embora tivesse os seus conflitos, foi bem sucedida, o Manuel nunca deixou de lado o seu espírito rebelde, mesmo quando já se encontrava com mais de 70 anos.

Quando adoeceu tentou esconder esse facto de todos e por insistência da sua família apenas tardiamente se deslocou ao hospital onde de nunca mais saiu vivo. Mesmo internado mantinha a boa disposição, brincava , flirtava com as enfermeiras e escrevia poemas. Após ser operado com sucesso contraíu uma bactéria que acabou por deixá-lo em estado de coma. A sua esposa nunca deixou a sua cabeceira e quando por fim faleceu, deixou um grande vazio na vida de todos aqueles que o amavam.

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Até ao fim manteve-se, teimosamente fiel a si mesmo.

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